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À descoberta de Palmira em 2023

Escondida no deserto sírio, esta antiga metrópole tem sido objeto de fascínio de historiadores e viajantes. Palmira são as ruínas romanas mais famosas do Médio Oriente, e com razão. A sua história desenrola-se desde há milénios atrás, quando as rotas de comércio do Mediterrâneo para o Oriente aqui convergiam. Inicialmente era apenas um acampamento num oásis, mas acabou por se desenvolver com a administração Romana, transformando-se numa cidade próspera e culturalmente rica.

Uma das lendas mais famosas relacionadas com esta cidade desenvolve-se no ano 240, durante o período Romano. Nesta altura, a Rainha Zenobia chega ao poder após o assassínio do rei, seu marido. Instigada pela ambição de aumentar o seu poder e fronteiras, revolta-se contra o poder do império que nesta altura entrava em decadência. Esta revolta é impactante na história da cidade e evidencia o seu espírito audaz.

Sinal à entrada de Palmira

Aproveitando o vácuo de poder, Zenobia embarcou numa conquista a oeste, capturando o Egito e porções da Turquia atual. No entanto, este desafio ao poder de Roma desencadeou uma resposta militar. Em 272 os Palmirenos foram derrotados, perdendo o seu estatuto de reino independente. O império tratou de tomar medidas para controlar o crescimento da cidade, prevenindo revoltas futuras. Pelo século VII, após o declínio de Roma e Bizâncio, as tribos islâmicas assumiram o controlo da região, resultando no abandono progressivo da cidade.

Séculos mais tarde, outra tragédia assombrou esta maravilha dos tempos romanos. Em 2015, durante a Guerra Civil síria, o Estado Islâmico intencionalmente detonou algumas das estruturas mais relevantes da cidade. O Templo de Bel, o Arco do Triunfo, e o Museu, por exemplo, foram quase totalmente destruídos. No entanto, Palmira continua a ter muita relevância turística. Como se encontra então esta antiga cidade em 2023?

Teatro Romano

Foi uma das estruturas que mais gostámos em Palmira, e que dá relevo às tradições e cultura da cidade. Esculpidas numa colina, as bancadas tinham capacidade para 1500 pessoas e as peças decorriam num palco elevado e ornado de colunas. A arquitetura e os detalhes misturam o estilo romano com influências da Mesopotâmia. O ISIS dinamitou a parte central do palco mas o teatro continua com boa condição geral.

Teatro Romano

Tetrapylon

Construção situada na intersecção das ruas principais da cidade, caracterizada por um arranjo de colunas e arcos em forma de cruz. Era um símbolo da grandeza de Palmira.

Este tetrapylon em específico era uma combinação de elementos originais e reconstruídos. As colunas originais eram de granito rosa importado do Egito, provavelmente das pedreiras de Assuão. No entanto, o Daesh destruiu toda a estrutura e contrabandeou as pedras originais potencialmente para comprar combustível ou armas. Hoje tudo o que resta são os despojos dos fragmentos restaurados.

Colunas de cimento caídas. As originais de granito foram roubadas e contrabandeadas.

Arco do Triunfo

Este arco era outro marco central do complexo de Palmira, estrategicamente colocado às portas da cidade para receber viajantes e comerciantes. Construído no séc. III, situava-se na intersecção das duas principais ruas da cidade (Cardo Maximus e Decumanus Maximus), antes da via colunada. Infelizmente também foi parcialmente destruído, só se podendo adivinhar hoje os resquícios do arco nas colunas que o sustentavam.

A via colunada fica mesmo atrás do arco e ostentava pequenas estátuas de deuses e pessoas relevantes da história de Palmira. Também essas estátuas foram roubadas ou destruídas, restando apenas os suportes.

Templo de Bel

Esta era talvez das estruturas mais relevantes e imponentes de Palmira, dedicada ao deus Bel. O templo combinava detalhes romanos e da Mesopotâmia e ostentava imensos detalhes relacionados com a cultura Palmirena. Além disso, o átrio também seria um centro cultural e de socialização da época. O complexo incluía espaços para ajuntamentos, mercados, e performances artísticas.

O átrio do Templo de Bel, onde os locais socializavam

Foi, até à ocupação do Estado Islâmico, um edifício imponente, mas foi vítima da destruição trazida por esta milícia. Hoje apenas a estrutura de uma porta se mantém em pé como recordação tímida do que aqui se encontrava. No meio dos destroços ainda podemos encontrar fragmentos de colunas e paredes que mostram o design e motivos que adornavam o templo.

Tudo o que resta do templo de Bel

Torres funerárias

Um pouco mais longe do centro da cidade, encontramo-nos com estas peculiares torres espalhadas na areia. Estas eram usadas como mausoléus, esculpidos e enfeitados com inscrições que revelam partes importantes da vida em comunidade.

A maioria foi dinamitada pelo ISIS, enquanto outras foram vandalizadas, saqueadas e usadas como esconderijo. Como muitas vezes tinham representados deuses não alinhados com as crenças do Daesh, os rostos e figuras desenhadas ou esculpidas foram pintadas por cima ou picadas.

Como se não chegasse, abriram e pilharam túmulos, visto que os habitantes de Palmira enterravam os seus entes queridos com oferendas aos deuses. Ainda hoje conseguimos ver as tumbas abertas, algumas com restos humanos mas nada mais. Em alguns casos, até as ossadas desapareceram.

Muralhas de Palmira

Os limites da cidade foram inicialmente construídos no séc. I, contornando áreas residenciais, jardins, e o oásis. Providenciavam refúgio aos habitantes da cidade e protegiam até certo ponto as rotas de comércio, o que sublinhava a importância de Palmira, solidificando o seu papel nas trocas comerciais da época.

Após o triunfo romano sobre Zenobia, o imperador Aureliano introduziu novos limites - as muralhas de Diocleciano - de forma a diminuir o tamanho da cidade e controlar o seu crescimento.

Templo de Baalshamin

Este templo era outra construção importante de Palmira, com pormenores típicos da região. Tal como no Templo de Bel, aqui também se realizavam eventos culturais. Após o controlo da cidade pelo ISIS, apenas os destroços restam deste edifício.

Ágora

A ágora funcionava como um mercado e era o centro das interações sociais e comerciais da cidade. A praça, com dimensões de 71x84 metros, era envolta por colunas e arcadas que proporcionavam um cenário propício à socialização e trocas comerciais. A adornar as bases das colunas encontravam-se estátuas de cidadãos importantes e figuras militares. Bancas e lojas traziam vida à praça, com a sua diversidade de mercadorias. Esta praça saiu relativamente ilesa após a permanência do Daesh em Palmira.

Nascente Aqfa

O principal catalisador para a fundação e crescimento da cidade é a presença de uma fonte de água potável nas imediações. As nascentes em torno de Palmira foram determinantes na localização da mesma, permitindo a sua sobrevivência no meio do deserto. Aqfa era uma delas: uma nascente com uma cave anexa escavada na rocha há cerca de 6000 anos. Tinha sido sabotada pelo ISIS mas entretanto os trabalhos de recuperação terminados em 2022 permitiram o restauro da fonte ao seu aspeto original.

Nascente Aqfa, restaurada

Considerações finais

Conclui-se aqui o nosso dia a explorar as maravilhas de Palmira. O dano a algumas das estruturas mais importantes é real, mas ainda assim permanece muito para ver nesta cidade perdida no deserto sírio. Confrontar a destruição do Estado Islâmico e constatar que muito recentemente andaram por aqui provocou-nos um sentimento de desconforto difícil de esquecer. Numa nota positiva, no entanto, soubemos que estão a ser encetados esforços para a reabilitação daquilo que aqui foi arrasado.

Apesar da destruição recente da cidade, o sentimento de realização por tê-la visitado prevaleceu. As ruínas de Palmira continuarão a ser a prova da grandeza e dimensão que este povo um dia atingiu e continuam a merecer ser visitadas, independentemente de tudo.

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