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Aleppo renascida

Alocada no coração do país, a cidade mais populosa da Síria (~2 milhões) tem muitas histórias para contar. O controlo de Aleppo tem mudado de mãos desde o início dos tempos, e hoje esta metrópole é reconhecida como uma das mais antigas povoações continuamente habitadas do mundo.

A preponderância de Aleppo gravita em torno da sua localização estratégica, numa encruzilhada de impérios onde as caravanas costumavam parar para descanso e trocas comerciais. É comum dizer-se que um dia de comércio aqui equivalia a um mês no Cairo. É provável que não seja literalmente assim, mas fica-nos a ideia de quão rica e próspera a cidade e seus habitantes outrora foram.

Uma das praças de Aleppo (e o omnipresente líder sírio Bashar Al-Assad)

Durante o guerra civil síria, a resiliência da cidade foi novamente posta à prova, como muitas vezes antes. De 2012 a 2017, Aleppo caiu nas mãos de insurgentes rebeldes apoiados pelo ISIS. Os souqs cobertos e os túneis da cidade velha e da cidadela tornaram-se um esconderijo perfeito para a oposição e dificultaram a retomada do governo. As coisas acabaram por mudar em setembro de 2016, quando o governo sírio encetou uma grande ofensiva com o apoio aéreo russo.

A guerra e o terramoto de 2023 deixaram marcas na cidade que ainda estão presentes. Muitos fugiram, outros ficaram mas a maioria destes perderam quase tudo e vivem hoje em pobreza ou com muito pouco. Apesar das dificuldades, Aleppo teimosamente resiste. É verdade que algumas das atrações ficaram danificadas mas a maioria mantém-se, juntamente com os aromas e sabores locais, à espera que as descubramos. As pessoas, essas, continuam tão calorosas e acolhedoras como sempre.

Primeira impressão

Chegámos a Aleppo justamente antes do pôr do sol, ao terceiro dia da nossa viagem pela Síria. Após o check-in, o nosso guia aconselhou-nos a sair e explorar o bairro de Al-Ourouba, perto do nosso hotel e onde costuma haver vida ao anoitecer.

Aceitámos a sugestão e decidimos andar até lá. As ruas estavam deficientemente iluminadas, mas os carros que passavam iam iluminando o caminho. Após experimentar algo do género nas nossas noites anteriores em Damasco e Homs, já estávamos habituados e relativamente à vontade com a insuficiente iluminação pública. Em pouco tempo o brilho das barracas de fast food e dos restaurantes emergiu, atraindo-nos para si.

Em Al-Ourouba encontramos uma ampla variedade de restaurantes e street food. O Amo Hamid é um take-away que o nosso guia nos recomendou, conhecido pelos falafel e aparentemente também apreciado por muitos outros nativos. Vemos bancas de frutas e outras comidas espalhadas pelas ruas, assim como muitos bares de shisha. A maioria está surpreendentemente lotada e por vezes é difícil encontrar um lugar para sentar. As lojas de roupa ficam abertas até tarde, recebendo clientes muito depois do pôr do sol.

Aleppo ainda está longe do seu potencial, no rescaldo de um conflito desta dimensão. No entanto, está em recuperação e, esperemos, poderá atingir a aura de tempos passados em alguns anos. Assim, o que podemos aqui ver em 2023?

1. Mercados

Coração e alma das cidades do Médio Oriente, estes mercados (souqs) encontram-se neste mesmo sítio há séculos e desempenharam um papel crucial no comércio e desenvolvimento da região. Hoje, estas vielas onde é difícil não nos perdermos presenteiam-nos com um vislumbre do património histórico da cidade.

A arquitetura mistura estilos Otomano e Árabe, com tetos arqueados e decoração tradicional. As lojas estavam dispostas originalmente de acordo com os produtos vendidos, mas com a explosão do conflito ficou tudo mais caótico: alguns vendedores fugiram, outras bancas ficaram destruídas, e os restantes foram-se acomodando no espaço disponível.

Tratando-se de uma das zonas de Aleppo mais afetadas pelo conflito, é natural que os mercados se encontrem com um processo de restauração em curso. Uns poucos mantêm o aspeto original, enquanto outros se encontram ainda em ruínas. Também já encontramos alguns em obras e outros até já terminados e prontos a receber lojistas.

2. Fábricas de sabão

A cidade de Aleppo é famosa pela produção de sabão, que era um dos items mais exportados antes da guerra civil. O sabão tradicional da cidade é feito a partir de uma receita com azeite (que serve de base), óleo de louro para o aroma, e bicarbonato.

Barras de sabão já seco

A mistura é fervida em grandes reservatórios e depois seca durante vários meses até atingir a forma final. É-lhe dada uma forma em paralelepípedo com uma textura áspera. A cor varia de verde a acastanhado, dependendo da quantidade relativa dos ingredientes e tempo de secagem.

3. Cidadela

A mais reconhecida atração de Aleppo, convenientemente posicionada no topo de uma colina no centro. A cidade cresceu a partir desta estrutura, que guarda em si milénios de relevância militar e cultural.

Paredes fortificadas e o portão Al-Faraj à distância, do lado esquerdo

A fortaleza é protegida por imponentes muralhas que convergem para a histórica porta Al-Faraj, juntamente com torres isoladas que aumentam ainda mais as suas capacidades defensivas. Aleppo tem sido disputada ao longo do tempo por várias civilizações, que adornaram a cidadela com os seus próprios traços arquitectónicos. Hoje representa diversos períodos históricos da região, com elementos dos períodos Grego, Romano, Bizantino e Ayyubid, por exemplo.

Infelizmente, o complexo ficou ligeiramente danificado durante o conflito sírio. E após o terramoto de fevereiro de 2023, as autoridades fecharam a cidadela por alguns meses por questões de segurança, o que nos impediu de entrar. Esperamos fazê-lo numa próxima vez que visitemos a Síria!

4. Grande Mesquita de Aleppo

Também conhecida como Mesquita Omíada de Aleppo, esta é sem dúvida um dos mais significativos marcos religiosos na cidade. A construção começou no início do período Omíada, tornando-a uma das mesquitas maiores e mais antigas do planeta (séc. VIII).

Infelizmente, a mesquita também foi danificada durante o conflito, incluindo o seu minarete. No entanto, os trabalhos de reconstrução estão em andamento e espera-se que em breve esteja aberta para visitantes. Apesar das obras em curso, tivemos a sorte de sermos convidados a entrar e dar uma olhada ao estado atual da reconstrução.

A mesquita incorpora o design islâmico primordial, com elementos das arquiteturas Omíada, Abássida, Mameluca e Otomana. O pátio é amplo, cercado por colunatas e possui uma fonte no centro. Quando visitámos, em abril de 2023, o minarete (Minarete Qasimiyah) estava bem adiantado e próximo de ser concluído.

5. Museu Nacional de Aleppo

O Museu Nacional de Aleppo é um dos museus mais proeminentes do país, albergando uma vasta coleção de artefactos da região. Aqui, deparamo-nos com uma ampla variedade de itens (cerâmicas, esculturas, jóias, tecidos...) escavados nos territórios de Al-Khabour, Eufrates, Idlib e Aleppo.

Fachada do museu

O museu foi atingido por mísseis em 2016, mas felizmente a maioria das peças fora previamente deslocada para um esconderijo mais seguro. A coleção do museu possui um valor histórico e cultural inestimável, e uma parte significativa foi poupada a danos durante o Conflito Sírio.

O museu reabriu as suas portas ao público em 2019, apesar de todos os desafios. No entanto, o terramoto de 2023 obrigou-o a fechar temporariamente, por algumas semanas. Tivemos a sorte de ter reaberto no dia anterior à nossa chegada a Aleppo, permitindo-nos explorar as suas impressionantes salas.

E é isto! Esta página resume o que vimos em Aleppo, uma cidade com um passado glorioso que recentemente passou tempos difíceis. Apesar de tudo, acreditamos que o pior já lá vai e mais cedo ou mais tarde testemunharemos o ressurgimento de Aleppo como destino turístico do Médio Oriente.

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